quinta-feira, 31 de outubro de 2013

PROFESSORES PARA A ERA DIGITAL

 

Nos últimos anos, as novas tecnologias e as redes sociais alteraram o cenário das relações humanas no mundo todo. E a sala de aula não ficou imune, pelo contrário, é um dos principais espaços onde essas provocações contemporâneas têm exigido transformações significativas.

O livro Educ@r – A (R)evolução Digital na Educação (262 páginas, R$ 49), de Martha Gabriel, aborda os desafios que essas mudanças apresentam para Professores e estudantes. A obra, da editora Saraiva, apresenta os impactos da revolução digital na sociedade e também coloca o tema dentro do ambiente Escolar.Em entrevista a Zero Hora, Martha, que é formada em Engenharia na Unicamp, tem pós-graduação em Marketing pela ESPM e é mestre e PhD em artes pela USP, defende a formação digital dos Professores para transformar a Escola.

Zero Hora – Pesquisas apontam que os Professores, no Brasil, ainda utilizam pouco as novas tecnologias em sala de aula. Mesmo adolescentes de baixa renda têm acesso a essas tecnologias muito mais em casa do que na Escola. Qual deve ser a principal ação do governo para acelerar esse processo na rede pública?
Martha Gabriel – As tecnologias digitais horizontalizaram o acesso à informação e têm modificado profundamente o aprendizado – tanto no que se refere à cognição como em seu modelo, que é muito mais descentralizado (o estudante tem na internet inúmeras opções de conteúdos para acessar além da Escola, do Professor e das bibliotecas) e personalizado (o ritmo de acesso e os tipos de conteúdos são determinados pelo estudante). No entanto, os estudantes têm abraçado o digital mais rapidamente do que as instituições de Ensino.
Acredito que a única solução para conseguirmos Professores e Escolas digitais é a Educação digital dos Professores. A disponibilização de tecnologias de acesso (wi-fi) e hardware de acesso (tablets, notebooks, laboratórios etc.) é desejável, mas não adianta nada se Professores não souberem como utilizá-las. É importante salientar que saber utilizar o ambiente digital na Educação não se refere apenas a saber como "operar” dispositivos mas sim, e principalmente, a saber como articular tecnologias e conteúdos digitais em conjunto com os analógicos de forma a aproveitar da melhor maneira possível esses ambientes para a Educação.

ZH – Muitas vezes, os Alunos conhecem melhor as novas tecnologias. Como o Docente pode tirar proveito dessa diferença?
Martha – Os jovens tendem a ter fluência maior com as novas tecnologias digitais. No entanto, essa fluência normalmente ocorre em um nível superficial. Eles usam essas tecnologias de forma a solucionarem problemas cotidianos, como estar em contato com amigos, jogar, buscar a informação que desejam, mas sem um conhecimento mais profundo.
O Professor, por sua vez, mesmo não tendo a mesma velocidade de adoção das novas tecnologias, tem maturidade e preparo para relacionar conteúdos e causar reflexão, que podem auxiliar os Alunos em suas atividades diárias. O Professor também pode conhecer tecnologias digitais, mas provavelmente não serão as mesmas que os Alunos conhecem bem. Isso é excelente e favorece a troca de conhecimentos e uso de habilidades com aprendizado mútuo.

ZH – Quais devem ser os limites nas relações entre Alunos e Professores?
Martha – Acredito que, de forma geral, seja muito complicado que Professores e Alunos sejam "amigos” nas redes sociais que frequentam, pois isso provoca uma sobreposição das vidas pessoais de ambos, o que pode não ser interessante para a relação profissional.
No modelo tradicional de Escola, existiam barreiras físicas que delimitavam naturalmente a relação Aluno-Professor. Na era digital, essas barreiras não existem e é essencial que o Professor determine quais limites devem ser mantidos. A melhor solução para isso normalmente é o Professor separar perfis pessoais e profissionais e se relacionar com os Alunos nos perfis profissionais.

ZH – No livro, a senhora apresenta o conceito de "troll”, relacionado àquele Aluno que desestabiliza o ambiente, com provocações que pretendem provocar conflitos. Como esse tipo de comportamento se diferencia do bullying?
Martha – Apesar do termo "troll” se popularizar com a internet, o comportamento "troll” é antigo e todo Professor conhece. O "troll” é aquele Aluno que atrapalha a aula, faz brincadeiras ou provocações para desestabilizar e gerar conflitos. Já o Aluno questionador, mesmo quando é desafiador, não tem comportamento provocativo.
Todo Professor já teve um Aluno "troll”, e a única maneira de lidar com eles é reverter o cenário e fazer com que ele perca a força perante os colegas que o apoiam. Já o bullying, que também é antigo e que já acontecia na sala de aula tradicional, é um comportamento agressivo em direção a uma pessoa – que normalmente são outros estudantes, mas que pode também, eventualmente, ser o Professor.
O "troll” atrapalha, mas normalmente não se vale de formas de violência e não é ilegal. Se antes esses comportamentos estavam confinados no ambiente físico da Escola e no horário das aulas, agora eles podem continuar depois do horário Escolar e invadir a casa das pessoas por diversas mídias – redes sociais, mobile etc.

ZH – A senhora diferencia hábitos e vícios digitais. Como os pais podem identificar quando a criança ou o adolescente ultrapassa essa linha tênue?
Martha – O ambiente digital traz consigo inerentemente novos hábitos e também novos vícios. No entanto, acredito que a diferença entre hábito e vício possa ser generalizada para qualquer tipo de comportamento. Enquanto os hábitos podem ser positivos ou negativos em relação ao modo como afetam as nossas vidas, eles normalmente não estão associados a crises de abstinência.
O vício, por outro lado, está sempre associado a comportamentos que causam efeitos negativos nas nossas vidas e vêm acompanhados de crise de abstinência. Acredito que, quando um novo comportamento surge na vida do filho – seja ele digital ou não –, o primeiro passo dos pais deve ser observar se esse comportamento em questão está causando efeitos bons ou ruins.
Se os efeitos forem ruins, pode ser um mau hábito ou um vício. Se o filho apresenta sinais de irritação quando afastado do comportamento e sente uma necessidade latente constante de retornar a ele, provavelmente está relacionado a um vício. É importante notar que, no caso dos hábitos digitais dos filhos, para um diagnóstico correto, muitas vezes os pais precisarão de ajuda.

Zero Hora – As novas tecnologias precisam ser incorporadas às práticas educacionais, mas são capazes de substituir a Educação tradicional?
Martha – Enquanto o ser humano tiver uma dimensão de vida offline, acredito que nada substitui a nossa experiência nessa dimensão. O online vem acrescentar uma camada digital no mundo e penso que é justamente a integração dessas duas dimensões – online e offline – que proporcionam as melhores experiências.

O digital sem o offline é manco, e o offline sem o digital é limitado. Assim, conforme as pessoas utilizarem cada vez mais a camada digital, precisaremos integrar as experiências nessas duas camadas, de forma transparente. No caso da Educação, as práticas tradicionais não são necessariamente substituídas, mas são, principalmente, modificadas e ampliadas pelo digital. Na minha opinião, a única forma de equacionar essa integração constante que se apresenta entre tradicional e digital é a Educação contínua dos Professores.

(*) Mestre e PhD em artes pela USP, defende a formação digital dos professores para transformar a escola
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/
Fonte: Zero Hora (RS) - Martha Gabriel*

Nenhum comentário:

Postar um comentário